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Falta de avanço no saneamento básico de Porto Alegre tem uma causa principal: a Prefeitura não investe e interfere no DMAE para justificar a privatização

Foto 1 - Conselho de Representantes Sindicais do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Cores-DMAE) no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa)

Conselho de Representantes Sindicais do Departamento Municipal de Água e Esgotos

Fonte: dos autores

Edson Zomar de Oliveira

Edson Zomar de Oliveira
Diretor do SIMPA, operador de Estação de Tratamento aposentado do DMAE - Autor convidado.

Adriano Skrebsky Reinheimer

Adriano Skrebsky Reinheimer
Engenheiro Civil do DMAE – Associado da Astec

Gláucia Helena Vedi Almeida

Gláucia Helena Vedi Almeida
Agente de Serviços Externos do DMAE - Autora convidada.

Jeferson Neves Machado

Jeferson Neves Machado
Técnico Industrial do DMAE - Autor convidado.

Laura Seben Campana

Laura Seben Campana
Engenheira Química do DMAE - Autora convidada.

Luciana Monteiro Moura

Luciana Monteiro Moura
Técnica em Tratamento de Água e Esgotos do DMAE - Autora convidada.

Marcelo Gil Faccin

Marcelo Gil Faccin
Engenheiro Químico – DMAE – Associado da Astec

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Sandra Darui
Engenheira civil do DMAE, coordenadora do Cores-DMAE - 

Associada da Astec

Porto Alegre não avança no saneamento nos últimos 10 anos e isso é visível nos valores de investimentos realizados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) no período.

Gráfico 1 – Investimentos realizados pelo DMAE

Gráfico 1 – Investimentos realizados pelo DMAE

No abastecimento de água houve investimentos em ampliação e substituição de redes como no Sistema São João e Belém Novo, mas o conjunto de obras que estavam previstas para entrar em funcionamento no final de 2024, o Sistema de Abastecimento de Água da Ponta do Arado, que irá beneficiar as populações do Extremo Sul e Leste da cidade, não vai ficar pronta.


A principal obra, que é a da Estação de Tratamento de Água (ETA), está paralisada há mais de um ano. O que motivou essa demora foi a falta de cumprimento do contrato pela empresa executora e a interferência da administração municipal e da direção-geral do DMAE em postergar a rescisão do contrato, apesar do parecer dos técnicos da autarquia indicarem a necessidade muito antes. Como resultado disso, houve uma crise no abastecimento de água no verão 2023/2024, justamente na área que será abastecida pela ETA Ponta do Arado. A obra se encontra na fase de terraplenagem e ainda não foi licitada nova empresa para retomada e conclusão da execução.


Outra ação estratégica que poderia ter melhorado a disponibilidade de água distribuída seria a implementação de medidas de redução de perdas de água. Apesar do DMAE ter sido selecionado para contratação de créditos para no valor de R$ 40 milhões (Portaria n° 2141, publicada no Diário Oficial da União, em 11/09/2019), houve a renúncia dos recursos sem qualquer explicação plausível por parte da direção-geral do Departamento na época.


No esgotamento sanitário se percebe a maior redução de investimentos. Desde 2017, os recursos estão cada vez mais escassos e a causa é bem conhecida: a tentativa de privatização de todas as atividades relacionadas ao saneamento. A situação é tão grave que além de não haver investimento ainda está ocorrendo o sucateamento das estruturas existentes das Estações de Bombeamento e Tratamento.


Em 29 de setembro de 2023, o DMAE sofreu com um dos seus mais tristes episódios, a morte do servidor técnico em tratamento de água e esgotos Alessandro Brutti, em um trágico acidente, ocorrido na Estação de Tratamento de Esgotos São João Navegantes, durante a manutenção de uma das unidades da Estação. A causa do acidente ainda não foi divulgada, apesar de já ter sido emitido laudo (Requisição n° 159.449/2023 – protocolo n° 89.487/2023), em 03/12/2023, pelo Instituto Geral de Perícias. Previamente, já era sabido que a Estação necessitava de investimentos em reformas e manutenções e que precisava, principalmente, de mais técnicos para realizarem a operação. A falta de pessoal é hoje um dos maiores problemas do DMAE, que amarga mais de 2.000 cargos vagos.


É inadmissível pensar que o servidor que cumpriu uma jornada excessiva de trabalho ao longo da semana, que culminou em sua trágica morte, por absoluta falta de pessoal, por amor ao ofício e por entender o significado do saneamento enquanto saúde pública, desdobrava-se em líder de equipe, operador de estação e atividades afins, tentando desesperadamente manter em funcionamento a unidade operacional que tão bem conhecia, inclusive os riscos envolvidos em qualquer atividade dentro da planta industrial.


Apesar de reiterados ofícios do Simpa-Cores-DMAE à direção-geral da autarquia, seguimos sem saber quais serão os desdobramentos decorrentes da perda de tão estimado e competente colega, que nos deixou de forma abrupta e prematura. Registre-se a indignação dos colegas com o descaso da administração municipal à morte estúpida do servidor Alessandro Brutti pois, independentemente das “conclusões oficiais”, a verdade nua e crua é que o excesso de trabalho, decorrente da falta de pessoal por imposição política e ânsia de privatização do DMAE, é causa maior do evento que culminou na morte do colega – e quantas outras mortes serão necessárias para responsabilizar os algozes, em vez das vítimas?


Problemas como esse poderiam ter sido evitados também com investimentos de mais de R$ 7 milhões no Sistema de Esgotamento Sanitário Navegantes, que foram perdidos em 2017, quando o DMAE foi selecionado pela Carta-Consulta nº 472.9.2508/2017 para financiamento da Caixa Econômica Federal. Além desses recursos, também se deixou de obter mais de R$ 144 milhões para o Sistema de Esgotamento Sanitário Sarandi pelo Programa Avançar Cidades. Mais uma vez a decisão de renunciar ao montante foi da direção-geral do DMAE, que estava iniciando uma modelagem de Parceria Público Privada para o esgotamento sanitário.


Na drenagem urbana, o resultado da política de desmontes, falta de investimentos e precarização teve o seu auge nos episódios das enchentes de setembro e novembro de 2023 e, recentemente, em maio de 2024, tendo consequências gravíssimas para a população de Porto Alegre e para a própria autarquia.


Em 2019, quando a operação e manutenção do Sistema de Proteção Contra Cheias foi atribuído ao DMAE, após extinção do Departamento Municipal de Esgotos Pluviais (DEP), em 2017, sob a gestão da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSURB), foram incorporados ao DMAE apenas 58 servidores. Os serviços estavam quase totalmente terceirizados, os equipamentos estavam sucateados, as estruturas das zonais de atendimentos precárias, as casas de bombas ou Estações de Bombeamento Pluviais (EBAP) operavam apenas com 44% de capacidade e existiam mais de 12.000 protocolos de atendimento para serem atendidos. O DMAE assumiu as atribuições e fez várias melhorias, utilizando inclusive recursos das tarifas de água e esgotos (tarifas 1 e 2), pois os recursos da tarifa de esgoto pluvial (tarifa 3) não são suficientes para atender as demandas. No entanto, passados 5 anos, o número de servidores dedicados a essas atividades só decresceu e a terceirização só aumentou, dificultando inclusive a própria fiscalização de contratos por falta de servidores qualificados.


O Sistema de Proteção Contra Cheias foi colocado à prova em 2023 e apresentou falhas e problemas de manutenção que foram apontados pelos técnicos no DMAE e que não tiveram a sua devida e urgente atenção para serem solucionados, apesar das previsões climáticas num cenário de El Niño indicarem eventos extremos ao longo do ano seguinte, o que de fato ocorreu!


Fica o questionamento: o que se configura quando a gestão de uma autarquia pública, cuja atuação é fundamental para a cidade, que passou por uma situação crítica como a que aconteceu nas enchentes de setembro e novembro de 2023, tomou ciência dos problemas, pois estava presente nos locais e, além disso, foi alertada pelo corpo técnico que a solução deveria ser urgente e não faz nada a respeito? A resposta é negligência e gestão temerária!


Quanto aos investimentos em drenagem urbana ainda não foi explicado pela gestão por que só destinou R$ 4 mil para a proteção contra cheias. A explicação pode ser dada principalmente pela falta de planejamento e a falta de transparência pois até o final do primeiro semestre de 2024 não foram divulgados os dados gerais do DMAE 2023.


Após muita espera, devido às negativas da administração municipal, o DMAE foi autorizado a fazer concurso para reposição das vagas abertas para servidores públicos em julho de 2023 e, finalmente, no dia 14/06/2024 foram publicados no Diário Oficial do Município (DOPA) dois editais de chamamento para 14 cargos e 33 vagas. Mas, fica outro questionamento: por que só 33 vagas se a necessidade do DMAE, em caráter de urgência, é muito maior?!


A explicação para isso é que:


Continuam as interferências da administração municipal no DMAE, apesar da Auditoria Especial do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS) recomendar que fosse garantida a autonomia econômico-financeira e administrativa (Inspeção Especial do Tribunal de Contas do Estado – Processo 00363-0200/19-4), tendo inclusive se intensificado as ações de procrastinação de contratação de servidores, aumentado a terceirização incluindo áreas estratégicas;


As ações do prefeito Sebastião Melo e da direção-geral do DMAE, especialmente em 2023, resultaram em mais precarização e desmonte com fins de privatizar a autarquia e que o projeto de concessão parcial dos serviços de saneamento em Porto Alegre está só suspenso, aguardando o resultado da eleição municipal de 2024.


Resta aos servidores públicos municipais, apoiados pelos sindicatos e associações de profissionais, resistir, apesar das dificuldades, e denunciar à população e aos órgãos de controle as ações reiteradas de desmonte e precarização dos serviços, em especial, do saneamento da nossa cidade.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Portaria nº 2.141, de 11 de setembro de 2019. Divulga o resultado do processo seletivo destinado à contratação de operações de crédito para execução de ações de saneamento básico - Mutuários Públicos, regulamentado pela Instrução Normativa n. 22, de 3 de agosto de 2018, do Ministério das Cidades. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Regional/Gabinete do Ministro. Diário Oficial da União: Brasília, DF, ano 176, p. 11. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.141-de-9-de-setembro-de-2019-215567855. Acesso em: 22 jun. 2024.


​​BRASIL. Portaria nº 2.614, de 11 de setembro de 2019. Divulga o resultado do processo seletivo destinado à contratação de operações de crédito para execução de ações de saneamento básico - Mutuários Públicos, regulamentado pela Instrução Normativa n. 22, de 3 de agosto de 2018, do Ministério das Cidades. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Regional/Gabinete do Ministro. Diário Oficial da União: Brasília, DF, ano 176, p. 11. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/arquivos/do-11-09-2019-s1.pdf. Acesso em 22 jun.2024.


DMAE. Dados gerais do DMAE 2022. Porto Alegre, 2022. Disponível em: https://prefeitura.poa.br/sites/default/files/usu_doc/sites/dmae/dados_gerais_2021.pdf. Acesso em: 22 jun. 2024.

DMAE Edital de Abertura 001/2024:  Concurso Público – Diversos Cargos - Processo 23.10.000012317-1. Diário Oficial de Porto Alegre Edição 7285 de 14 de junho de 2024: Porto Alegre, ano 2024, p. 89 à 95. Disponível em: https://www2.portoalegre.rs.gov.br/dopa/ver_conteudo.php?protocolo=479462. Acesso em 22 jun. 2024.                        

                                                    

DMAE Edital de Abertura 001/2024:  Concurso Público – Diversos Cargos - Processo 23.10.000012317-1. Diário Oficial de Porto Alegre Edição 7285 de 14 de junho de 2024: Porto Alegre, ano 2024, p. 89 à 95. Disponível em: https://www2.portoalegre.rs.gov.br/dopa/ver_conteudo.php?protocolo=479462. Acesso em 22 jun. 2024.                                               


RIO GRANDE DO SUL. Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Parecer MPC nº 8004/2023. Porto Alegre: MPC, 2023. Nota: Inspeção Especial instaurada pela Representação MPC Nº 027/2018. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/18OvIyO1jDJWRRShH_p4kEYvNMHXFulmH/view?s=08. Acesso em: 22 jun. 2024.

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Artigos | Revista da Astec, v. 24, n. 52, agosto 2024.

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