Flávio Barcelos Oliveira
Biólogo aposentado da SMAMS.
CRBio nº 03:8398.
Ao chegar cedo no serviço, uma surpresa: meu chefe, eng. Agr. Arno Bento de Oliveira, me aguardava. “Suspenda todos os serviços programados para hoje. Quero todas as turmas nas avenidas Osvaldo Aranha e João Pessoa”, concluiu o diretor. Explicou que seriam implantados dois corredores de ônibus nessas avenidas, daí a necessidade de poda de levantamento de copa nas árvores. E mais, orientou-me para suprimir árvores inclinadas, ‘avariadas’ ou secas, substituindo-as por jacarandás.
Convenci o ‘Dr. Arno’ de que com apenas duas turmas resolveria a situação. Assim, mantive as programações para as demais turmas de arborização. “Está bem, mas quero que acompanhe tudo, do princípio ao fim, pois tem que ser concluído hoje”, reafirmou. “Claro, sem dúvidas!”, respondi.
E assim foi: pela manhã, a Osvaldo Aranha, concluída.
A tarde foi uma barbada: a João Pessoa representava quase a metade do trecho da manhã. Porém, cumpriu-se uma sina: ‘Se alguma coisa tiver que dar errado, será ao final dos serviços’. E deu!
Concluída a última poda, ‘seu Eurides’, o chefe de turma, apontou para a calçada e disse: “Seu Flávio, olhe, uma ‘mudinha’ de paineira. Se crescer aí, vai dar problemas!”
Vi, concordei e decidi: “baixa uma muda de jacarandá! Vamos substituir a paineira.”
Na retirada da muda, alguém gritou da janela de um apartamento: “parem, seus ladrões de árvores! Não roubem, é minha! Comprei! Seus ladrões!” E ainda proferiu uma série de impropérios. Detalhe, começou a desferir as ofensas e agressões verbais pela janela e assim seguiu, sem parar, descendo as escadarias e continuou até ali, no passeio. Estava furioso, inconformado. E, óbvio, ofensas dirigidas ao técnico que orientava os trabalhos.
Com muita paciência, tentei acalmá-lo. Expliquei que aquela muda de paineira iria se desenvolver e causar danos ao calçamento e às redes aéreas. Poderíamos replantá-la numa praça ou parque. Por fim, ressaltei que o jacarandá era a espécie mais apropriada para aquele local. Não teve jeito. O homem estava inflexível e ainda queria briga.
Então, recomendei à turma para recolher o jacarandá e replantar a paineira no passeio. Antes de sair, orientei o morador, agora mais conformado, para providenciar na implantação de um canteiro gramado, junto à base do tronco e sistema de raízes do vegetal. E disse: “Hoje ela é apenas uma muda de paineira; amanhã, será uma árvore. E uma coisa é remover uma muda de árvore, outra coisa é remover uma árvore. É diferente!”
Fomos embora. Serviços concluídos. Dr. Arno satisfeito.
Passados seis anos, o cidadão entra na sala do Setor de Arborização e começa a explanar os problemas de uma ‘enorme’ árvore na sua calçada. Olhei firme para ele e perguntei: “Mas o senhor não está me reconhecendo? Pois eu sou o ‘filho-da-puta’, ‘cafajeste’, ‘ladrão de árvore’, lá da Av. João Pessoa.” E concluí: “Vou providenciar nas podas dos ramos conflitantes com as redes aéreas. A árvore será preservada.” Completei: “Providencie na ampliação do canteiro gramado para melhor acomodação das raízes.”
Dois anos depois ele recorreu, dessa vez, ao diretor da SMAM. Era eu. Indeferi.
Inconformado, quase dois anos após, apelou à instância superior, ao supervisor da SMAM. Era eu. Neguei, mais uma vez.
Por fim, trinta dias depois, recorreu ao secretário da SMAM. Coincidentemente, na semana em que o secretário titular, Giovani Gregol, viajou à Vitória (ES), para ser empossado na presidência da recém-criada Associação Nacional dos Municípios de Meio Ambiente (Anama). Pois, a audiência deu-se com o secretário-substituto da SMAM. Era eu.
A paineira foi preservada, está lá até hoje. E, como dizem meus colegas, representa a marca registrada da ascensão funcional de um técnico dedicado à arborização urbana da nossa cidade.
Pessoalmente, considero-a “a paineira da minha vida”. Me apaixonei por ela!
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