Desde 1961, os servidores municipais recebiam salários em dia. Ao assumir, em 2017, Marchezan rompeu uma tradição de quase seis décadas, passou a não cumprir o que a lei e os princípios de uma boa gestão determinam: o pagamento dos mais de 20 mil municipários se transformou numa incerteza.
Paulo Müzell
E-mail: pmuzell@uol.com.br
Economista aposentado da PMPA.
Contando com o apoio da grande mídia, especialmente da Rede Brasil Sul (RBS), o Júnior inventou um cenário de caos nas finanças, afirmando não ter caixa para pagar a folha de pessoal. Uma grosseira mentira – a despesa com a folha nos últimos quinze anos nunca atingiu o limite dos 54% estabelecido pela Lei Complementar n° 101, de 04/05/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2004, chegou ao seu patamar mais elevado: 51,7%. Nos últimos cinco anos, andou abaixo dos 50% e só atingiu 50,9% em 2017 e, a partir daí, despencou: 48,6% em 2018; nova queda para 46,2%, em 2019; e no final do primeiro quadrimestre de 2020, caiu para 43,18%!
Desde 1° de maio de 2016, os salários dos servidores não são reajustados. Assim, no final de junho passado, completamos cinquenta meses de defasagem. A inflação medida pelo IPCA no período atingiu 14,72%. Houve ainda um aumento de 3% da alíquota previdenciária. Significa dizer que, para recompor o poder aquisitivo do salário de maio de 2016, seria necessária uma reposição de 20,88%.
A despesa anual de pessoal (vencimentos mais encargos sociais) da Prefeitura nos doze meses anteriores a abril de 2020 totalizou R$ 3,2 bilhões. Significa dizer, num cálculo aproximado, que Marchezan Júnior “economiza”, subtrai do bolso dos servidores, cerca de R$ 600 milhões/ano, ou seja, R$ 50 milhões/mês. E o futuro não é nada promissor, pois Bolsonaro editou recentemente uma medida provisória congelando por mais dois anos os vencimentos dos servidores públicos do País.
Não há nenhuma dúvida que, oportunista como é, o Júnior vai tentar novas maldades alegando os efeitos recessivos da pandemia nas finanças municipais. Até o momento, não há motivo para preocupação. Nos primeiros cinco meses deste ano, a receita corrente total cresceu 7% comparada com os cinco primeiros meses de 2019. Descontada a inflação – índice médio de 2020/índice médio de 2019 – ocorreu um aumento médio real de 3,7%, muito acima do que tem ocorrido nos últimos anos. É verdade que o ISSQN – maior fonte de receita própria da Prefeitura – sofreu um pequeno declínio no período (-5%) e esta tendência de queda deve se acentuar nos próximos meses. Todavia, com um comprometimento de apenas 43,18% da receita corrente líquida com a despesa de pessoal, haverá recursos suficientes para o pagamento da folha até o final deste ano. O problema é que para este prefeito pagar salários não é prioridade. Na hora de cortar gastos, só pensa em avançar no bolso dos servidores. Ele odeia o funcionalismo e o serviço público.
O trágico é que o ataque do Júnior compromete não o presente, mas também o futuro do servidor e do serviço público: ele aprovou leis que mutilaram o plano de carreira, matando qualquer garantia de melhorias salariais futuras. Se o servidor não estiver motivado, com perspectivas de ascensão funcional, treinado e apto para realizar suas tarefas, o poder público não terá condições de prestar bons serviços à população.
A turma do Júnior não quer e nem se preocupa com isso: não fazem concursos, reduzem o pessoal do quadro e terceirizam, entregam elaboração dos projetos e a prestação dos serviços à iniciativa privada. Por que será que eles preferem contratar empresas privadas?
Mas, Marchezan não fez mal apenas ao servidor e ao serviço público, faz mal à cidade. Porto Alegre é uma cidade suja, mal iluminada, com praças e parques abandonados, com um sistema viário precaríssimo: o número de buracos nas ruas é um escândalo, um recorde na história da cidade. O sistema público de transporte por ônibus é de péssima qualidade e a tarifa umas das mais caras do País.
O governo do Júnior tem uma marca registrada: elabora orçamentos inconsistentes em que anuncia elevados déficits que não ocorrem, promete investimentos que não realiza e, sobretudo reduz os recursos das áreas fins.
Vamos apresentar alguns números. Nos seis anos que antecederam a posse de Marchezan, entre 2011 e 2016 a Prefeitura investiu em média R$ 435 milhões/ano. No triênio 2017/2019, o investimento médio anual caiu para R$ 235 milhões, ou seja, quase à metade. No orçamento de 2019, foi previsto aplicar nas sete funções fins – saúde, educação, assistência social, saneamento, cultura, habitação e segurança pública – um montante total R$ 4 bilhões e 41 milhões. O balanço mostrou que foram efetivamente gastos apenas R$ 3 bilhões e 423 milhões, ou seja, R$ 618 milhões a menos. O absurdo maior, todavia, ocorreu na estimativa do déficit e do investimento. Na Lei n° 12.488, de 27/12/2018, a Lei Orçamentária de 2019, Marchezan se comprometeu a investir R$ 903 milhões e o balanço registra que foram comprometidos, empenhados, apenas R$ 242 milhões. Foram efetivamente liquidados – obra pronta, em condições de pagar – apenas R$ 142 milhões, não mais do que 16% do prometido, um fiasco! Além disso, projetou um déficit de R$ 908 milhões e o balanço consolidado registrou um superávit de R$ 573 milhões! Que barbeiragem! Tanta incompetência até nos faz suspeitar de má-fé.
O difícil é explicar como e por que uma pessoa com o perfil do Júnior – que idolatra o que é privado e despreza o que é público – tenha interesse em gerir o que é público. Um administrador público deve ter como foco a prestação de bons serviços à população. Se o seu objetivo é outro – perseguir e aumentar lucros – deve trabalhar na iniciativa privada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. DOU: Brasília, 5 maio de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm . Acesso em: 18 ago. 2020.
PORTO ALEGRE (RS). Lei n° 12.488, de 27 de dezembro de 2018. Estima a receita e fixa a despesa do Município de Porto Alegre para o exercício econômico-financeiro de 2019. DOPA: Porto Alegre, 28 dezembro de 2018. Porto Alegre Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/2018/1249/12488/lei-ordinaria-n-12488-2018-estima-a-receita-e-fixa-a-despesa-do-municipio-de-porto-alegre-para-o-exercicio-economico-financeiro-de-2019-r-8409792985-00?q=+12.488%2C . Acesso em: 18 ago. 2020.
PORTO ALEGRE (RS). Prefeitura Municipal. Aprovado Orçamento do Município de Porto Alegre para 2019. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sma/default.php?p_noticia=999200076&APROVADO+ORCAMENTO+DO+MUNICIPIO+PARA+2019 . Acesso em: 18 ago. 2020.
PORTO ALEGRE (RS). Prefeitura Municipal. Balanços das Finanças Públicas de Porto Alegre. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smf/usu_doc/balanco_das_financas_publicas_2019.pdf . Acesso em: 18 ago. 2020.
PORTO ALEGRE (RS). Prefeitura Municipal. Relatório de Gestão Fiscal – Demonstrativo da despesa com pessoal – orçamentos fiscal e da seguridade sócia, maio de 2019 a abril de 2020 – 1° quadrimestre 2020. Disponível em: http://www.portoalegre.rs.gov.br/smf/relfins/doc/2020%201Q%20-%20Anexo%2001%20-%20Demonstrativo%20Despesa%20Pessoal%20Executivo.pdf . Acesso em: 18 ago. 2020.
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