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Vivendo o centro, a pé e de barco

Foto 1 – Sítio Histórico com Praça da Alfândega e Margs, em passeio de 2018

Foto 1 – Sítio Histórico com Praça da Alfândega e Margs, em passeio de 2018

Fonte: da autora

Rosilene Martins Possamai

Rosilene Martins Possamai
Arquiteta da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC), Mestre em Valorização e Gestão de Centros Históricos pela Universidade de Roma La Sapienza, Curso Internacional pelo Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração de Bens Culturais (ICCROM), Membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Brasil) - Autora convidada.

Em março, o projeto Viva o Centro a Pé visitou o Bairro Belém Novo, no sul da capital. Já tinha começado a chover em Porto Alegre, mas não naquele sábado de manhã, viabilizando o passeio. Em Belém Novo, bairro bucólico e longínquo do Centro, às margens do Guaíba os participantes foram levados a conhecer a Igreja Nossa Senhora de Belém, construída entre 1876 e 1884; a Praça Ignácio Antônio da Silva, a qual leva o nome do doador de terras para a praça, igreja e cemitério, dando início ao desenvolvimento do arrabalde; o antigo Hotel Cassino, símbolo da fase balneária do bairro no início do século XX; as praias do Leblon e do Veludo; a esplêndida paisagem sulina e a Fazenda do Arado, visível à distância, cujo rico e diversificado patrimônio é único na cidade, quiçá no Rio Grande do Sul e Brasil.


Este foi um dos passeios culturais proporcionados pelo Viva o Centro a Pé, projeto iniciado em 2006 com o intuito de promover o Centro Histórico da capital, levando o público a conhecer a o melhor da cidade, em suma seu patrimônio natural e cultural. Mais tarde, o projeto estendeu-se para outros lugares como os bairros Moinhos de Vento, IAPI, Vila Assunção, os cemitérios, o Quarto Distrito, dentre outros, incluindo passeio de barco pelo Guaíba, prestigiando a paisagem da orla, as ilhas e a visão privilegiada de barco pelo rio.

Com quase vinte anos de existência e centenas de roteiros, os passeios são ministrados por artistas, escritores, jornalistas, professores, historiadores, arquitetos e arqueólogos. O público é de casa, mas também de fora, do RS, Brasil e exterior. Uma edição especial foi feita só para imigrantes, outras, para crianças. Alguns orientadores também são de casa, técnicos da SMCEC, especialistas, mestres e doutores, uns aposentados, que detêm conhecimento privilegiado sobre a capital. Dentre estes, registro os nomes da arqueóloga Fernanda Tocchetto, dos arquitetos Helton Estivalet Bello, Luiz Merino Xavier, Ana Margarida Xavier e Simone Ruschel, o historiador Pedro Vargas e do professor José Francisco Alves. Todos servidores de carreira do município.

Neste maio, atordoados pela enchente que assola Porto Alegre e o estado, refletimos sobre a agonia que passa nosso Centro Histórico inundado, com Mercado Público, Paço Municipal, Praça da Alfândega, Margs, Casa de Cultura e outros museus e monumentos em meio a água. Com porões e estruturas encharcados e acervos comprometidos pela umidade. Sem falar dos armazéns do cais que o muro não protege. Todos vistos somente da internet ou tv em trajetos de barcos socorristas, onde antes se caminhava. É triste e assustador. Especialmente, quando sabemos que poderia ter sido evitado. Assim como os incêndios, que destroem patrimônios e levam vidas, também podem ser, com a correta gestão de riscos.

Foto 2 – Vista da Fazenda do Arado ainda com gado bovino, em 2011. Ao fundo estruturas do haras e Morro do Arado.

Foto 3 - Vila Assunção e orla vividos a pé, em passeio de 2019.

Foto 2 – Vista da Fazenda do Arado ainda com gado bovino, em 2011. Ao fundo estruturas do haras e Morro do Arado.

Fonte: da autora

Foto 3 - Vila Assunção e orla vividos a pé, em passeio de 2019.

Fonte: da autora

Enquanto vivemos a cidade de barco sobre a água enlameada, para salvar pessoas, vistoriar bens e garantir segurança mínima, aguardamos a água baixar para recomeçar. Mais um capítulo se agrega à história de Porto Alegre e estado: a enchente de 2024. A que dizima dezenas de vidas, inunda 21 bairros e ilhas, desaloja milhares de pessoas de suas casas, cancelará cidades inteiras do mapa e mudará a paisagem. Um novo olhar mais protetivo deverá nascer sobre a cidade, definitivamente, sob pena de sofrermos mais crises climáticas e humanitárias.


Por causa da enchente, arriscamos traçar o futuro de alguns roteiros icônicos da cidade, percorridos pelo Viva o Centro a Pé, depois que as águas baixarem e as consciências emergirem.

Foto 4 - Praia do Leblon e ruínas do Restaurante Poletto, em Belém Novo.

Foto 4 - Praia do Leblon e ruínas do Restaurante Poletto, em Belém Novo.

Fonte: foto de Igor Gomes/SMCEC.

Roteiro 1: Sítio Histórico e Cais do Porto


O nome Sítio Histórico deve-se ao tombamento nacional do perímetro que une a Praça da Matriz, Rua General Câmara, Praça da Alfândega até o Portão Central do Cais do Porto. Berço da cidade, e de implantação portuguesa, com a parte alta de uso institucional, religioso e cultural e a parte baixa mais comercial, nos primórdios, o Sítio Histórico é o lugar construído mais formoso da cidade. Parte devido à qualidade dos edifícios, praças, monumentos e à carga histórica e simbólica, parte devido aos trabalhos de restauração empreendidos nas duas últimas décadas pelo Projeto Monumenta, especialmente. Hoje, a parte baixa deste sítio e cais estão inundados. Amanhã, retornarão à sua plenitude, mas não sem conservação ou até nova restauração arquitetônica. Porém o cais, aquele que o muro não protegia, será protegido, com adição de sistema novo e de última geração, que preserva os armazéns e seu perfil na paisagem. O cais revitalizado abrigará atividades culturais, institucionais, comerciais, de lazer e, principalmente, de educação ambiental e patrimonial, além do Museu das Enchentes ou das Águas. Sem novos edifícios, pois há área mais que suficiente. O cais do futuro continuará estadual, mas com tombamento e investimento federal, gestão pública compartilhada com a sociedade organizada. Porto Alegre e estado festejarão o cais como o lugar solidário da cidade.

 


Roteiro 2: Paço Municipal e Mercado Público


Estes dois monumentos dispensam apresentação. O Paço por ter sido, de 1901 até 2022, a sede da Prefeitura e o Mercado por ser o lugar mais querido dos porto-alegrenses e gaúchos. Por ser tão amado, sempre se recupera. E mal se reabilitou do incêndio de 2013, sofre agora sua terceira inundação por enchente. Hoje, Paço e Mercado agonizam na lama. Amanhã, ambos terão seus planos de gestão de risco para incêndio e enchente implementados. Volta e meia veremos simulações de sinistros com evacuação de pessoas para o local seguro, definido pela Defesa Civil e mapeado no Plano Diretor. O Paço será um dos museus mais visitados da capital e o Mercado Público continuará público e terá de volta seu Memorial, contando sua história e as memórias de seus frequentadores.

 


Roteiro 3: Fazenda do Arado


Aquela que citei no início deste artigo. Um lugar ímpar na cidade. Uma antiga fazenda à beira de um lago, numa capital de estado. Diga-se, a segunda capital com a maior área rural do país. Um lugar com diversos sítios de valor cultural, com sítio arqueológico pré-histórico, indígena, registrado no IPHAN, com reminiscências do século XVIII e XIX de interesse arqueológico, com uma sede implantada sobre o Morro do Arado visível a distâncias territoriais, com antigos núcleos de criação de cavalos, de criação de gado, de produção de leite, de plantação de arroz e com uma marina. Sem falar no valor natural, composto pela Ponta do Arado, pelas enseadas e praias, pelo morro, campos, mata nativa, Mata Atlântica e por uma beleza paisagística exuberante. Esta antiga fazenda pertenceu a Breno Caldas, ex-dono do Jornal Correio do Povo, para onde ele ia trabalhar de barco, do Arado até o Centro da capital! A fazenda esteve em atividade até 2012, arrendada para criação de gado. Depois, o casarão sede virou hotel. Hoje, os proprietários, Câmara e governo estão aprovando um empreendimento imobiliário. Amanhã, o proprietário desistirá desta ideia, convencido do papel importantíssimo da área como amortecedora de chuvas e alagamentos. Ele e poder público se sensibilizaram com as mudanças climáticas, a enchente de maio, o imenso valor da área e resolveram explorá-la com fins sustentáveis, educativos, ambientais e de lazer.


Um novo olhar mais protetivo nascerá sobre estes lugares. Eis uma necessidade para Porto Alegre. No futuro, o Projeto Viva o Centro a Pé contará a história da enchente de 2024, mas também as mudanças que a tragédia semeou nas mentes de seus habitantes, que se refletiram nos espaços. Esperemos que estes e outros lugares sejam melhor protegidos e preservados. Para que possamos continuar a contar suas histórias e a vivê-los, a pé e também de barco, mas sobre águas limpas.

 

 

 

REFERÊNCIA


PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Categoria: Viva o Centro a Pé. Porto Alegre: Centro de Pesquisa Histórica, [2013]. Disponível em: https://cphpoa.wordpress.com/category/eventos/viva-o-centro-a-pe/ Acesso em: 9 jul.2024

 


Contato:


E-mail: educa.epahc@gmail.com
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Artigos | Revista da Astec, v. 24, n. 52, agosto 2024.

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