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PORTO ALEGRE: uma década sob gestões de retrocessos

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Fonte: Canva

Porto Alegre, a capital dos gaúchos, tornou-se conhecida mundo afora por muitos feitos positivos: a primeira capital brasileira a contar com uma secretaria municipal de meio ambiente, a SMAM, em 1976; a cidade mais arborizada do Brasil, de acordo com o IBGE, em 2010; a capital do Orçamento Participativo (OP), que ainda é lembrada como referência, a partir de 1989, de instrumento de democratização dos orçamentos municipais em cerca de duas dezenas de cidades, em nove estados brasileiros e outros seis países; capital do Fórum Social Mundial, tendo sido palco do evento que se contrapôs ao Fórum de Davos, na Suíça, de visão sobretudo econômica e liberal; primeiro ente público do Brasil a instaurar cotas raciais em concurso público, durante a gestão do então prefeito João Verle; sem mencionar que foi a partir da capital gaúcha que, em 1961, o então governador Leonel Brizola comandou, por meio da Rede da Legalidade, a resistência à tentativa de autogolpe do presidente Jânio Quadros (31/01/1961 - 25/08/1961). Hoje, a realidade é outra. No mosaico que segue, a Revista da Astec oferece breves textos, assinados pela entidade, seus associados e convidados, sobre os retrocessos patrocinados pelas gestões da última década em Porto Alegre.

O transporte público piorou

O transporte público piorou

Foto: Eduardo Beleke/PMPA

O transporte público já foi melhor em Porto Alegre. Hoje em dia, o tempo de espera nas paradas de ônibus é maior e a tarifa é a segunda mais cara do Brasil. Com a demissão dos cobradores, o motorista passou a ter que, sozinho, dirigir e ao mesmo tempo fazer o troco, o que prejudica a atenção no trânsito e põe em risco a segurança dos passageiros. O motorista também tem que parar o ônibus, descer e operar, ele mesmo, o elevador para cadeirantes. Isso tudo o sobrecarregou e contribuiu para aumentar o atraso nos horários. Se os cobradores estivessem trabalhando, não implicaria um acréscimo significativo no valor da passagem.


Além disso, o prefeito Melo extinguiu a meia passagem para estudantes (passando apenas a subsidiar o transporte para alunos de baixa renda – 100% de isenção para estudantes do ensino fundamental; 75% de desconto na primeira passagem e 100% na segunda, para alunos do ensino médio) e professores, além de acabar com a isenção para idosos entre 60 e 64 anos. Também acabou com a regra de fazer mais de um trecho em um mesmo período pagando uma só passagem e extinguiu o passe livre aos domingos. Melo, ainda, vendeu a Carris – que tinha serviços exemplares –, por preço irrisório, para a empresa Viamão, que costuma descumprir horários, praticar preços altos e desrespeitar os usuários.


Os serviços pioraram também porque hoje em dia a atual gestão da prefeitura não fiscaliza devidamente o número de ônibus em circulação, nem as tabelas de horário. Não exige ar condicionado e ainda flexibiliza a idade da frota. Em 2004, um ônibus rodava por nove anos e hoje o tempo de circulação da frota aumentou – sabemos que ônibus velhos quebram mais. Melo enviou projeto de lei para a Câmara de Vereadores para retirar o limite de vida útil dos ônibus e a exigência de compra de veículos zero quilômetro. Os governos Melo e Fogaça, ambos do MDB, esvaziaram a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de sua principal função, que é o efetivo controle financeiro do sistema de transporte público e sua fiscalização. E as empresas privadas, sem fiscalização, só se preocupam em reduzir custos e aumentar lucros.


Tudo isso tem deixado muito pior o transporte coletivo e a mobilidade da população porto-alegrense.

Política de Meio Ambiente

Porto Alegre tem em seu histórico ser a primeira capital brasileira a criar, na década de 1970, uma Secretaria do Meio Ambiente (SMAM) que passou a ser reconhecida em todo o País e na América Latina como referência em implantação e proteção da vegetação urbana, legislação mais rigorosa, educação ambiental e um corpo técnico altamente capacitado para desenvolver políticas públicas na área ambiental.


Mas esse protagonismo, infelizmente, tem sofrido um revés na última década. Ocorre que, enquanto a ciência aponta a urgente necessidade de se cuidar bem do meio ambiente, a capital gaúcha trafega na contramão dos fatos. O negacionismo científico praticado e difundido já vem gerando efeitos catastróficos à população da cidade, fruto do pouco caso para com a questão ambiental, especialmente nas últimas duas gestões.


Em 2017, ao assumir a prefeitura, Nelson Marchezan Jr. tentou extinguir a SMAM, porém foi barrado pela Câmara de Vereadores que cedeu à pressão da sociedade e servidores e não lhe deu maioria dos votos para aprovação, mas apenas permitiu acrescentar a palavra "Sustentabilidade" passando a ser SMAMS e posteriormente assumir a área de urbanismo, passando à denominação atual de Smamus.


A extinção formal não foi possível naquele ano de 2017, porém a secretaria passou por um processo de abandono da parte ambiental a partir de então. Contrariando a história de mais de 40 anos, secretários e alguns diretores que vêm ocupando os espaços são comprometidos mais com urbanismo do que com meio ambiente e, em alguns casos, demonstram certo desconhecimento técnico.


As cinco zonais, que atuavam no planejamento da arborização urbana de forma regionalizada, com corpo técnico e equipes periodicamente treinadas e capacitadas, foram extintas e divididas em setores: setor de podas e remoções em áreas privadas (autorizações); setor de plantio de mudas; e setor de poda e remoção em áreas públicas, esse em outra secretaria, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb). As equipes de execução foram extintas e os servidores distribuídos para outras áreas e outras atividades.


A estrutura atual caracteriza-se pela falta de planejamento da arborização. Os três setores não têm formalmente comunicação entre si, o que inviabiliza qualquer tipo de planejamento na implantação e manutenção da vegetação urbana.


Arborização urbana bem cuidada é essencial ao conforto e à vida das pessoas que residem nas áreas urbanas. Na capital gaúcha, a vegetação não está tendo a devida valorização no momento, porém, a pressão da população e a organização do corpo técnico poderá restabelecer o tratamento necessário e merecido ao verde em áreas públicas e particulares de Porto Alegre.

Na saúde, espera por atendimento especializado praticamente dobrou

Na área da Saúde, faltam dentistas, ginecologistas, clínicos gerais e outros profissionais nos postos da rede básica. Com praticamente a totalidade dos postos de saúde terceirizados e a gestão transferida para organizações sociais hospitalares que não têm experiência com atenção básica em saúde (prevenção e promoção), os problemas se acumulam. As emergências estão lotadas com casos que deveriam ser atendidos nos postos. Além disso, a falta de especialistas em diversas áreas quase dobrou a fila de espera nos últimos anos – a maior demora é para se conseguir consultas de fonoaudiologia. Na área de Saúde Mental e outras especialidades, é preciso aguardar mais de dois anos pelo primeiro atendimento.


Nos últimos cinco anos, não houve reposição dos profissionais de carreira que se aposentaram – apenas cerca da terça parte das vagas foram preenchidas, reduzindo, assim, o número de profissionais disponíveis para atender a população.
Infelizmente, a área da saúde é apenas um dos campos que apresentam graves problemas de gestão ao longo da última década e, por essa razão, estão longe de atender as necessidades da população.

Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (Astec)

Já tivemos um Departamento Municipal de Habitação
(e agora precisamos mais do que nunca)

Luis Ferrari Borba

Luis Ferrari Borba
engenheiro civil aposentado do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) – diretor de Relações Trabalhistas e Sindicais – Associado da Astec.

O Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) construiu mais de 50.000 unidades de Habitação de Interesse Social (HIS), ao longo das últimas décadas, para ficarmos apenas na história mais recente. Entre 1989 e 2004, por exemplo, o Departamento manteve a marca de mil unidades novas entregues por ano, fora as obras de regularização urbana e ações de regularização fundiária, com a população mais carente permanecendo onde estava, sempre que era possível. O DEMHAB, então, chegou a contar com mais de 600 servidores, entre estatutários e celetistas.


Já, durante o governo Marchezan, entre 2017 e 2020, o DEMHAB entregou, em projetos de sua iniciativa, ZERO unidades. E durante o atual governo Melo... também ZERO! O Departamento que já conquistou reconhecimento internacional conta, hoje, com pouco mais de 100 servidores ativos. Sem a devida reposição, o seu corpo técnico-operacional está desmanchado, incluindo uma equipe de orientação ambiental. O Departamento continua a realizar o trabalho de regularização fundiária – mas somente na sua etapa final, burocrática, já que não consegue desenvolver qualquer obra significativa; e ainda dependendo cada vez mais de emendas orçamentárias de vereadores mesmo para isso. O DEMHAB continua com algumas tarefas assistencialistas, que são importantes, mas não podem justificar a atual situação.


O que constatamos é que a missão do DEMHAB – planejamento e execução de uma visão social da habitação e a devida conexão com uma visão mais ampla de cidade; ou, dito de outra forma, pensar e executar “habitação popular” – na prática, foi abandonada nos últimos anos! E quando o governo federal também abandonou tal tema, entre 2017 e 2022, o Departamento ficou totalmente inerte.


A luta em prol da democracia e de um serviço público digno para todos passa, portanto, pela luta por habitação digna, por políticas públicas de habitação, e que a prefeitura de Porto Alegre de fato retome a HIS como política sua, permanente!

Breve análise das políticas públicas voltadas para a população em situação de rua de Porto Alegre nos últimos 10 anos

Barraca de pessoa em situação de rua, na Lima e Silva, em 2023

Barraca de pessoa em situação de rua, na Lima e Silva, em 2023

Fonte: foto de Maria Gabriela Curubeto Godoy

Maria Gabriela Curubeto Godoy

Maria Gabriela Curubeto Godoy
Professora do Bacharelado em Saúde Coletiva/UFRGS. Coordenação do Projeto Passa e Repassa-pesquisa e extensão: políticas públicas da população em situação de rua - Autora convidada.

Monika Weronika Dowbor

Monika Weronika Dowbor

Professora visitante do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política da UFPEL. Coordenação do Projeto Passa e Repassa-pesquisa e extensão: políticas públicas da população em situação de rua - Autora convidada.

Renato Farias dos Santos

Renato Farias dos Santos

Doutor em Educação/UFRGS. Coordenação do Projeto Passa e Repassa-pesquisa e extensão: políticas públicas da população em situação de rua - Autor convidado.

Thaís do Amaral Marques

Thaís do Amaral Marques
Bacharel em Direito/UFRGS. Coordenação do Projeto Passa e Repassa-pesquisa e extensão: políticas públicas da população em situação de rua - Autora convidada.

A análise das políticas para a População em Situação de Rua (PSR) nos últimos 10 anos em Porto Alegre revela um modelo de cidade financeirizado, higienista, gentrificado e desigual assumido por gestões que, para implementá-lo, adotam práticas autoritárias, centralizadoras e não participativas. Observa-se um padrão recorrente, intensificado em situações críticas como a pandemia (2020-2022), o incêndio na Pousada Garoa (abril 2024) e as enchentes (maio 2024), no qual, por um lado, há falta de informações sobre o número da PSR, suas mortes e as ações (sempre insuficientes) realizadas pelo poder público e, por outro, a gestão municipal recusa-se a implementar e manter espaços participativos de diálogo com a sociedade civil.


O subdimensionamento do número da PSR pelo poder municipal afeta e reduz diretamente a quantidade de serviços ofertados para ela. Tal subdimensionamento se comprova a partir da divergência numérica entre a Fundação de Assistência Social e Cidadania (março 2024), com 2.378 pessoas em situação de rua (RDC TV, 2024) e o Cadastro Único (abril 2024) (CECAD 2.0, 2024), com 4.592 pessoas em Porto Alegre. Em relação à participação, a Política Nacional da PSR instituiu os Comitês Intersetoriais de Acompanhamento e Monitoramento da Política para População em Situação de Rua (CIAMP Rua) (BRASIL, 2009). Porto Alegre criou o seu comitê em 2015, com participação paritária de órgãos da gestão e entidades da sociedade civil defensoras dos interesses da PSR (PORTO ALEGRE, 2015). Entretanto, desde 2018, este Comitê só funcionou entre março de 2021 a fevereiro de 2022.


Nos últimos dez anos, a atuação das gestões municipais e suas políticas propostas para a PSR têm se caracterizado por informações imprecisas e contraditórias sobre o número e perfil da PSR, pela insuficiência sistemática de ofertas e serviços e pela recusa ao diálogo e trabalho conjunto com a sociedade civil, apesar dos reiterados pedidos de grupos e coletivos como: Movimento Nacional da População de Rua (MNPR); Pastoral do Povo da Rua; Coletivo Estadual da PopRua; Jornal Boca de Rua e Projeto Passa e Repassa - UFRGS/UFPEL.

REFERÊNCIAS


BRASIL. Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm. Acesso em: 4 jul. 2024.


BRASIL. Cecad 2.0. Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico. Tabulador do Cadastro Único. Jun, 2024. Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/tab_cad.php. Acesso em: jun. 2024.


CRUZANDO as conversas ao vivo. Porto Alegre: RDC TV, 19 mar. 2024. 1 vídeo (1h17min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uhUs1K26vCc. Acesso em: 4 jul. 2024.

PORTO ALEGRE. Decreto nº 19.087, de 22 de julho de 2015. Institui o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê Poprua) e revoga o Decreto nº 17.111, de 20 de junho de 2011. Porto Alegre: Leis Municipais, 2015. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/decreto/2015/1909/19087/decreto-n-19087-2015-institui-o-comite-intersetorial-da-politica-municipal-para-a-populacao-em-situacao-de-rua-comite-poprua-e-revoga-o-decreto-n-17111-de-20-de-junho-de-2011?q=19.087. Acesso em: 4 jul. 2024.

Governos liberais desmontam a educação em Porto Alegre

Nelza Jaqueline S. Franco

Nelza Jaqueline S. Franco
Mestra em Educação, diretora de assuntos sindicais da Atempa, mãe do Érick, filha da Idalina e do João - Autora convidada.

Luciane Congo

Luciane Congo
Professora da rede pública municipal, diretora-geral da Atempa, diretora do Simpa - Associada da Astec.

A partir da metade dos anos 1980, Porto Alegre vivenciou um ciclo de amplo avanço na educação, marcado pela construção de mais escolas, gestão democrática e investimentos na qualificação, formação e remuneração dos servidores. Esse ciclo foi interrompido com a eleição de José Fogaça (PPS) em 2005. Nos últimos dez anos, a partir de 2016, Porto Alegre teve dois governos no Paço Municipal: um do PSDB, com Nelson Marchezan Júnior (2017-2020), e outro do MDB, com o atual prefeito Sebastião Melo e seu vice, Ricardo Gomes (PL), gestão (2021-2024). Ambos os governos tiveram um alinhamento intenso com a extrema direita.


Na educação municipal, esses dois últimos governos promoveram grandes retrocessos. Em 2017, Marchezan desmontou a proposta político-pedagógica da Rede Municipal de Educação, construída ao longo de muitos anos com a participação das comunidades escolares. Houve uma reorganização dos espaços e tempos de ensino-aprendizagem, focando basicamente na disciplinarização da carga horária dos educadores, o que inviabilizou outras formas de atividades pedagógicas e afetou negativamente o tempo dos estudantes na escola e as relações professor-aluno-família. Falta de professores e monitores, sucateamento de escolas e a burocratização do fazer pedagógico tornaram-se constantes, com a principal ideia de que apenas dentro da sala de aula se aprende. Reuniões pedagógicas, formações adequadas à realidade da comunidade escolar e atividades culturais fora da escola foram extintas.


A autonomia das escolas foi engessada, subordinando-as aos comandos da mantenedora e disciplinando a carga horária de trabalho dos educadores. A Rede Municipal de Ensino resistiu por um longo tempo contra essas medidas, defendendo que a organização anterior dos tempos e espaços respondia às necessidades de um projeto de aprendizagens que envolvia estudantes, famílias, profissionais da escola e direção em uma relação dialógica.


As demandas de educação infantil e educação especial inclusiva não são plenamente atendidas. Quanto à educação infantil, não há oferta suficiente de vagas para as crianças. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS) na Radiografia de Educação Infantil 2010-2019 constatou que, até 2017, a cobertura na educação infantil era de apenas 52,17% do total. Na educação especial, houve desmonte dos serviços oferecidos e falta de profissionais qualificados. As políticas públicas definidas pelo Conselho Municipal de Educação não são efetivamente realizadas, pois os governos dos últimos dez anos optaram pela terceirização e privatização, precarizando os serviços.


Durante o governo Melo (MDB), a educação esteve envolvida em escândalos de superfaturamento e desvio de verbas públicas, com escolas sucateadas e a troca de quatro secretários na gestão da pasta, uma das quais foi presa. Além disso, houve um aumento no número de empresas privadas contratadas para consultoria ou manutenção, enquanto o Setor de Obras da secretaria foi fechado. O Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb denunciou repetidamente o não investimento dos percentuais estabelecidos constitucionalmente para a educação na gestão Melo-Gomes. Em suma, a educação em Porto Alegre foi covardemente atacada e desmontada, tudo isso antes da devastação das enchentes de maio.

REFERÊNCIAS


RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Radiografia de Educação Infantil 2010-2019. Porto Alegre: TCERS, 2019. 12 p. Disponível em: https://tcers.tc.br/repo/misc/estudos_pesquisas/educacao_infantil/2021/4314902.pdf. Acesso em: 25 jun.2024.

As margens dos cursos d’água da bacia do Guaíba devem ser mantidas verdes e com APPs

Parque Harmonia: retirada de vegetação, aterros e maior impermeabilização do solo (30/04/2024)

Parque Harmonia: retirada de vegetação, aterros e maior impermeabilização do solo (30/04/2024)

Fotografia: Cristiano Pontes (2023)

Paulo Brack

Paulo Brack
Biólogo, professor do Departamento de Botânica da UFRGS e membro da coordenação do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGa) - Autor convidado.

No mês de maio de 2024, ocorreu a maior enchente na história de Porto Alegre, com a marca de 5,33 m acima do nível do mar, ou seja, mais de dois metros acima do nível de alerta (3,15 m). As chuvas também foram excepcionais, com médias entre 600 e 800 mm naquele mês, em vários municípios da metade norte do estado.


A bacia do Guaíba foi muito impactada, com mais de 170 mortes, dois milhões de pessoas afetadas, e mais de 600 mil desalojadas. Existem responsabilidades evidentes de parte dos governos estadual e municipais. Os efeitos devastadores das chuvas torrenciais e enchentes no RS demonstraram a equivocada ocupação e o mau uso da terra na bacia. E nisso, o agravamento da calamidade, tem relação com a fragilização das normas e leis. O novo Código Estadual de Meio Ambiente, aprovado em regime de urgência, resultou numa lei permissiva (Lei 15.434/2020) que diminuiu a proteção das margens dos rios, arroios, em especial as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e muitos outros tipos de ecossistemas naturais, no campo e nas cidades.


Em Porto Alegre, o prefeito, além de ignorar alertas quanto ao sucateamento do Sistema de Proteção das Cheias (Muro da Mauá, comportas e bombas), segue práticas contra o meio ambiente, incentivando a expansão de equipamentos urbanos, pavimentos, cimento, asfalto e construções na orla do rio Guaíba. Os parques Harmonia e Marinha do Brasil e o Anfiteatro Pôr do Sol não ficaram livres do avanço voraz de se transformar áreas verdes em dinheiro para grandes empresas concessionárias, por meio da expansão de equipamentos urbanos privados sobre as nossas áreas verdes públicas.


Não iremos longe se os administradores públicos se mantiverem negacionistas não só da crise climática antropogênica, mas também da destruição da cobertura vegetal da margem dos rios, em especial das APPs. Quem sabe, novos governos e novos políticos, com maior sensibilidade e compromisso socioambiental, possam superar a atual lógica neoliberal ecocida e auxiliar na construção de um caminho de proteção do direito ao meio ambiente equilibrado, presente no artigo 224 da Constituição Federal?

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2023. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jun.2024.


RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 15.434, de 9 de janeiro de 2020. Institui o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Sistema Legis: [s.d.]. Disponível em: https://www.al.rs.gov.br/legis/m010/M0100099.asp?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=65984&hTexto=&Hid_IDNorma=65984. Acesso em 22 jun.2024.

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Artigos | Revista da Astec, v. 24, n. 52, agosto 2024.

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